Com a troca de governo no Brasil, entre dois opostos, muitos temas entraram em debate neste início de 2023. Um deles é a autonomia do Banco Central (Bacen) para lidar com a taxa de juros do país.
O presidente eleito, Luiz Inácio Lula da Silva (PT), fez diversas declarações, que impactaram o mercado financeiro, sobre ser contra os juros altos no Brasil que seguem em dois dígitos desde meados de agosto de 2022, no Governo Bolsonaro.
Nos últimos dias, durante a cerimônia de nomeação do novo presidente do BNDES, por exemplo, Lula lançou fortes e diretas críticas sobre a manutenção da selic aos 13,75% ao ano pelo Copom, órgão do Banco Central que ajusta a taxa, no início de fevereiro. Além disso, o presidente do Brasil ainda questionou a autonomia do Bacen.
Lula critica autonomia do Banco Central
Em entrevista à RedeTV foi quando o presidente da República lançou fortes críticas sobre a autonomia do Banco Central. No início de fevereiro, Lula disse: "Quero saber do que serviu a independência. Eu vou esperar esse cidadão (Campos Neto) terminar o mandato dele para a gente fazer uma avaliação do que significou o banco central independente", disse Lula em entrevista ao jornalista Kennedy Alencar.
Assista à entrevista de Lula abaixo, sendo que o assunto "taxa selic" entra em pauta por volta dos 34 minutos:
Questionado sobre se poderia haver mudança em relação à autonomia, o presidente da República confirmou. "Eu acho que pode, mas... quero dizer que isso é irrelevante para mim. Isso é irrelevante, isso não está na minha pauta. O que está na pauta é a questão da taxa de juro", disse.
A independência do Banco Central foi aprovada pelo Congresso Nacional e sancionada pelo então presidente Jair Bolsonaro em fevereiro de 2021.
O texto trouxe como principal novidade a adoção de mandatos de quatro anos para presidente e diretores do Banco Central, uma autarquia federal.
Esses mandatos ocorrerão em ciclos não coincidentes com a gestão do presidente da República.
Dessa forma, os mandatos do presidente e dos diretores do Bacen, com duração de quatro anos, não coincidem com os do presidente da República, de forma que os governos que tomam posse tenham de conviver por mais algum tempo com autoridades monetárias indicadas pela gestão anterior.
Vale mencionar que isso também acontece com o Plano Plurianual (PPA), lei com duração de quatro anos que rege o orçamento público.
Indicado por Bolsonaro, o atual presidente do Banco Central é Campos Neto que permanecerá no cargo até dezembro de 2024. Depois disso, um novo executivo será escolhido por Lula.
Lula critica decisão do Banco Central sobre a selic
Importante evento realizado em 6 de fevereiro, a cerimônia de posse de Aloizio Mercadante no cargo de presidente do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (BNDES) foi marcada por uma grande polêmica iniciada pelo presidente da República.
Lula voltou a criticar o patamar da taxa básica de juros do país (taxa selic) - que orienta os demais juros na economia - fixado pelo Copom, de 13,75% ao ano, em 1º de fevereiro.
Em decisão já esperada pelo mercado financeiro, o Copom manteve a selic e disse ainda que pretende segurar a taxa na mesma faixa até que haja deflação - veja a ata da reunião na íntegra.
Para o presidente, não existe nenhuma justificativa para que a Selic esteja nesse nível neste momento.
"É só ver a carta do Copom para a gente saber que é uma vergonha esse aumento de juros e a explicação que deram para a sociedade brasileira", disse o presidente Lula.
"Como é que vou pedir para o Josué [Gomes, presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo - Fiesp] fazer com que os empresários ligados a Fiesp vão investir, se eles não conseguem tomar dinheiro emprestado", disse Lula.
Lula menciona autonomia do Bacen em cerimônia de posse do BNDES
Em seu discurso durante a posse de Mercadante, em 6 de fevereiro, além de criticar a selic de 13,75%, o presidente Lula também falou sobre a autonomia do Banco Central para tomar decisões.
Para o presidente, a questão não se resume ao fato de o Banco Central ser independente. "Agora resolveu tudo. O Banco Central é independente e não vai mais ter problema de juro. Ledo engano. O problema não é de um banco independente ou ligado ao governo. O problema é que este país tem uma cultura de viver com juros altos, que não combina com a necessidade de crescimento que nós temos."
Na visão do presidente, a sociedade brasileira não pode aceitar um patamar como esse, e a classe empresarial precisa aprender a reclamar de juros altos.
"Eles [empresários] não falam. No meu tempo, 10% era muito, hoje [o percentual de] 13,5% é pouco. Se a classe empresarial não se manifestar, se as pessoas acharem que vocês estão felizes com 13,5%, sinceramente, eles [integrantes do Copom] não vão baixar juros. Nós precisamos ter noção. Não é o Lula que tem que brigar, não. Quem tem que brigar é a sociedade brasileira", afirmou.
Lula disse ainda que ouve de muita gente que o presidente da República não pode criticar o patamar elevado da taxa de juros, mencionando de forma implícita a autonomia do Bacen. "Se eu que fui eleito não puder falar, quem vou querer que fale? O catador de material reciclável. Não. Eu tenho que falar porque, quando era presidente, era cobrado", completou.
"A economia brasileira precisa voltar a crescer. É urgente. Só tem dois jeitos de ela voltar a crescer. Ou a iniciativa privada faz investimento e ela só vai fazer investimento se tiver demanda. Ou o Estado incentiva a iniciativa privada a fazer, colocando primeiro a mão na massa. Esse é o papel do nosso governo, colocar a mão na massa para a economia voltar a crescer."
Campos Neto defende autonomia do Banco Central
Após as várias críticas sobre a autonomia do Bacen e a repercussão delas, o presidente do Banco Central Campos Neto defendeu o benefício do órgão.
Segundo ele, a independência do Banco Central é importante para que o país pague menos juros.
Em palestra transmitida pela internet em Miami, nos Estados Unidos, Campos Neto declarou que a autonomia do Banco Central, que vigora desde o ano passado, teve como principal ganho desvincular a atuação da autoridade monetária dos ciclos políticos.
"A principal razão, no caso da autonomia do Banco Central, é que desconecta o ciclo da política monetária do ciclo político, porque eles têm diferentes durações e interesses. Quanto mais independente você é, mais eficaz você é, menos o país pagará em termos de custo de ineficiência da política monetária", declarou Campos Neto durante o evento 2023 Milken South Florida Dialogues, que trata de inovações digitais.
Também segundo Campos Neto, a autonomia do BC permite a construção de agendas que ultrapassam interesses de determinado governo.
Ele citou inovações como o Pix e o open finance (compartilhamento autorizado de dados entre instituições financeiras) como legados da gestão do ex-presidente do BC Ilan Goldfajn, atual presidente do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID), que estava no evento.
"Ilan está aqui. Começou um grande trabalho, falando sobre inovação. Então cheguei lá [no Banco Central], a pressão era muito grande, porque ele fez um trabalho maravilhoso e pensei. Como posso melhorar o que foi feito?", disse.
Fontes: Agência Brasil, Banco Central e CUT.
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